quarta-feira, 9 de julho de 2014

Uma questão de formação




O resultado do jogo que ontem colocou frente a frente as selecções do Brasil e da Alemanha pode ter surpreendido muita gente mas não é mais do que o espelho do trabalho futebolístico que tem vindo a ser desenvolvido pelos dois países. Talvez o resultado seja ligeiramente exagerado e não reflicta com inteira justiça a diferença de qualidade entre os futebolistas brasileiros e os alemães, mas uma coisa é ter qualidade natural (aquela com que nascemos ou não) para dar chutos na bola e outra é trabalhar essa qualidade de forma a criar atletas de topo e é disso que se trata quando falamos de um mundial de futebol. O resultado pode portanto não reflectir verdadeiramente a diferença de qualidade entre as equipas mas certamente reflecte a capacidade de trabalho de cada um dos países (e estou a falar única e exclusivamente de futebol). 

No post de ontem falei da formação como uma necessidade para o futuro próximo do futebol português e hoje vou voltar a falar de formação, desta vez como exemplo máximo do rigor e capacidade de trabalho da Alemanha. 

Aquilo que os alemães vivem futebolisticamente neste momento não é fruto de um qualquer acaso e muito menos de uma dádiva divina (se assim fosse o Brasil ganhava 10-0 em todos os jogos tal a quantidade de orações feita por cada jogador ao longo dos 90 minutos). O momento que os alemães atravessam deve-se essencialmente ao trabalho competente desenvolvido pela sua federação de futebol e pelos seus clubes ao longo dos últimos anos, em prol da formação e da evolução do futebol do país. Enquanto muitos outros se limitam a arranjar desculpas para os mais escabrosos desaires, têm interesse em manter tudo na mesma e esperam que uma nova leva de talentos resolva ou disfarce os problemas (não sei porquê mas de repente lembrei-me da nossa federação), os alemães aproveitaram o desastre do campeonato da Europa do ano 2000 em que caíram na fase de grupos (quem não se lembra do Hat-trick do nosso Sérgio Conceição?) para renovar e revolucionar todo o seu futebol, não se limitando a esperar por melhores dias mas trabalhando para que eles pudessem existir.

Após o campeonato da Europa do ano 2000 a federação de futebol alemã percebeu que era urgente investir na formação de jogadores e fazer dela a principal bandeira do futebol alemão. A verdade é que a partir desse momento, e em concordância com os clubes e escolas do país, foram criadas medidas essenciais para a evolução que hoje se faz sentir. A federação alemã obrigou (a partir de 2001) todos os clubes a possuir uma academia de futebol para formar os seus jovens, sendo que só possuindo essa academia os clubes recebem as licenças necessárias para poder disputar as ligas profissionais de futebol do país (O Borussia de Dortmund era um dos clubes que antes de 2001 não tinha academia sendo hoje em dia um dos clubes da europa que forma mais e melhores futebolistas). Por outro lado a federação investiu, juntamente com as escolas do país, na criação de centros de treino para as crianças mais novas (com menos de 14 anos). Como se essas regras não bastassem (se calhar não bastavam mesmo) a federação criou regras financeiras que os clubes são obrigados a respeitar. Desde 2001 os clubes alemães, mesmo tendo investidores externos, devem pertencer maioritariamente aos sócios (51% no mínimo) e os excessivos gastos acima das receitas resultam na automática retirada da licença de participação  nos campeonatos profissionais, o que obriga os clubes a gastar menos do que aquilo que ganham.

No fundo, o grande objectivo da revolução do futebol alemão foi canalizar os milhões gastos em transferências e na intermediação destas para a formação de jovens, construindo academias e dotando-as de profissionais competentes. Nunca tiveram a vergonha de assumir que havia países a trabalhar melhor e enviaram durante anos e anos os seus técnicos para aprender nas academias desses mesmos países (Espanha e Itália por exemplo). Os alemães foram capazes de aprender com os seus erros e com as qualidades dos outros para corrigir o que estava mal e evoluir o seu futebol, atingindo o nível que está neste momento à vista de todos. Foi a formação que voltou a trazer a Alemanha para o topo do futebol Mundial.



*O campeonato do Mundo de futebol ainda não acabou e a Alemanha até pode não vencer a prova, mas mesmo que isso aconteça em nada altera o que aqui escrevi.
           

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