terça-feira, 8 de julho de 2014

Quem não tem dinheiro (não) tem vícios




É sabido que a saúde financeira dos clubes portugueses deixa muito a desejar e que, cada vez mais, é fundamental ser-se capaz de aplicar a máxima de fazer mais com menos. Urge ter olho e competência para formar jogadores dentro de portas, dando-lhes as condições necessárias para que estes possam evoluir e se tornem jogadores de topo. Será que isso alguma vez vai ser uma realidade no futebol português? Com a excepção de algum casos (Vitor Baía, Rui Costa, Figo, Ricardo Carvalho, Ronaldo, Nani e pouco mais) talvez isso não passe de uma utopia na realidade do nosso futebol... mais por culpa de quem dirige do que da tão propalada inexistência de matéria prima!
Durante anos a fio os clubes portugueses viraram costas à formação e fecharam os olhos a custos para criar equipas supostamente competitivas nas competições nacionais e internacionais. A Portugal chegaram "camiões" de jogadores estrangeiros, muitas vezes pagos a peso de ouro. E se na verdade alguns deles foram verdadeiras mais valias desportivas e financeiras (convém não esquecer que por cá passaram jogadores como Falcao, Hulk, James, Di Maria, Matic e Witsel) a grande maioria não passou de um enorme tiro no pé e um atestado de incompetência passado aos nossos jogadores e à nossa própria formação.

A realidade actual dos dois principais clubes portugueses (nem falo do Sporting CP pois esse ainda consegue a proeza de sozinho estar em pior situação do que os outros dois juntos) é de tal forma grave que obriga a cenários e manobras financeiras nunca antes vistas e de um desespero total. Os últimos relatórios de contas de SL Benfica e FC Porto foram de tal forma assustadores que, quando lidos com atenção, tornam visível o enorme buraco em que as respectivas direcções se deixaram cair. Quando Luis Filipe Vieira prometeu (e infelizmente para a saúde financeira do clube cumpriu) não vender nenhum jogador e construir a "famosa" equipa maravilha que iria lutar pela vitória na Champions League, pode ter enganado meia dúzia de distraídos e conquistado alguns (preciosos) votos para a sua reeleição, mas para os mais atentos à jogada estratégica do presidente encarnado, era óbvio que o resultado tinha tudo para ser desastroso e prejudicial ao clube. Não é possível, ou pelo menos não é aconselhável, a um clube português (por muito grande que seja) colocar-se em bicos de pés e agir como se de um grande europeu se tratasse, gastando dezenas de milhões de euros em jogadores sem concretizar qualquer encaixe significativo com vendas. Os clubes portugueses são clubes vendedores e, por muito que custe a admitir, essa é a realidade em que vivem. A estratégia da direcção do SL Benfica foi de tal maneira errada que o clube, após ter vencido tudo internamente (desportivamente a época foi um sucesso), está agora obrigado a desmantelar uma equipa vencedora vendendo pelo menos cinco ou seis jogadores titulares. Só mesmo o desespero de fazer dinheiro rápido para cumprir obrigações financeiras a curto prazo (tapar buracos) explica a venda do melhor central do campeonato português a um clube russo pelo "irrisório" valor de 6 milhões de euros (deste valor o SL Benfica recebe apenas 2,4 milhões de euros).

Mais a norte, o presidente Pinto da Costa, após a época desportiva mais desastrosa da história do FC Porto, veio "garantir" aos sócios que o clube não precisa de vender jogadores. Caso para dizer: "Importa-se de repetir?". Analisando o último relatório de contas do FC Porto e as obrigações financeiras do clube a curto prazo, facilmente se chega à conclusão de que o clube precisa não só de vender mas principalmente de vender muito e bem. O FC Porto que se orgulhava de comprar jogadores jovens e baratos, saber formá-los e depois vendê-los a preços elevadíssimos, mudou a sua forma de estar no mercado e nos últimos anos dedicou-se a "derreter" dinheiro em jogadores a um ritmo alucinantes (um ritmo de dezenas de milhares de euros por época), vendo-se muitas vezes com jogadores em carteira que não rendem desportivamente, custam milhões aos cofres do clube e recebem salários estupidamente elevados. A política de transferências dos últimos anos tem sido de tal forma errada (os negócios Izmaylov e Liedson são apenas exemplos disso) que o clube está neste momento perante o inédito cenário de ter de vender os seus três principais jogadores na mesma temporada e pior ainda, percebe-se a incapacidade para investir em mais valias (o mesmo acontece com o SL Benfica). E é esta incapacidade de investimento, criada em grande parte pela incompetência de quem gere, que leva os clubes (nenhum deles é excepção) a recorrer à "ajuda" dos fundos, que são apresentados como tábua de salvação para os clubes mas que, na verdade, não são mais do que uma nova forma de dar dinheiro a ganhar a alguns senhores que continuam gravitar em torno do futebol e de tornar os clubes cada vez menos donos de si próprios e dos seus activos. Os fundos a curto prazo poder-se-ão apresentar como uma solução útil e uma mais valia mas a médio/longo prazo apresentam uma elevada despesa e uma forma pouco clara (para ser simpático) de fazer circular dinheiro de mão em mão e de conta em conta até se perder o rasto.

Os relatórios de contas dos principais clubes são públicos e não escondem (pelo menos de quem tiver interesse em interpretá-los) o enorme buraco em que SL Benfica e FC Porto estão colocados.  Foram anos e anos a sustentar um sistema de negócio obscuro, pouco sério e de valores completamente pornográficos. Foram anos e anos a sustentar o vício de empresários e dirigentes desportivos. Foram anos e anos a viver em bicos de pés e acima das possibilidades reais.

E agora, saberão os clubes assumir os erros, mudar a  estratégia e "arrepiar" caminho para um futuro sustentável, ou continuarão a cavar bem fundo o buraco até ser impossível sair de lá? Só o futuro o saberá dizer, mas de uma coisa tenho total convicção: apenas aqueles que tiverem a capacidade de olhar para dentro, perceber os pontos fortes e as fraquezas, mudar a estratégia e deixar de parte o próprio umbigo em prol do clube serão capazes de sobreviver!     

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